É comum ouvir histórias de avós e bisavós que tiveram cinco ou seis filhos. O que parece cada vez mais distante dos dias de hoje, em que a taxa de fecundidade no Brasil é de 1,65 nascimento por mulher, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número atual reflete a menor taxa de crescimento desde 1872.
Desde a década de 1960, a média de filhos por mulher em idade reprodutiva (de 15 a 49 anos) no Brasil vem caindo. Em 1960 esse número era de 6,3. Em 1980, a estatística reduziu para 4,4 e, 20 anos depois, alcançou os 2,2, nos anos 2000.
Tal cenário é resultado de diferentes fatores culturais, sociais e econômicos. Entretanto, Vivian Marcello Ferreira Caetano, doutora em História Social pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisadora, defende que há três motivos principais para o início desta queda.
Direito Reprodutivo
A primeira das razões seria o surgimento da pílula anticoncepcional, na década de 60. O remédio permitiu uma ampliação no quesito de direitos reprodutivos, isto é, o direito das pessoas de decidirem, de forma livre e responsável, se querem ou não ter filhos, quantos filhos desejam ter e em que momento de suas vidas.
Estatuto da Mulher Casada
A segunda causa, ainda segundo a pesquisadora, é o Estatuto da Mulher Casada. Aprovado em 1962, ele garantia, entre outras coisas, que mulheres casadas não precisassem mais da autorização do marido para trabalhar.
Lei do Divórcio
Já a Lei do Divórcio, em 1977, permitiu que a mulher, enfim, pudesse se separar do então parceiro.
Ferreira Caetano explica que essas mudanças “possibilitaram às mulheres, a escolha da maternidade e não a imposição como único destino ou função”. A também professora acrescenta que antes disso, as mulheres não eram vistas “como um ser humano que tem suas ambições, desejos e escolhas próprias”.
Maior possibilidade de escolha
Todavia, a manutenção da queda de fecundidade se dá “com o sentimento das mulheres em serem donas das próprias vidas. Esse fato revela o quanto as mulheres foram induzidas a maternidade compulsória e quando deram a possibilidade de viver outras histórias, elas preferiram esses outros caminhos”, destaca a pesquisadora.
É a partir dessa liberdade de escolha que surge o conceito NoMo (do termo em inglês “Not Mothers”, no português “Não Mães”), que diz respeito a mulheres que optaram por não ter filhos. Essas, no entanto, relatam que muitas vezes são cobradas e julgadas por essa decisão.
Esse desejo pela não maternidade se dá, entre outras coisas, pelas condições sociais e estruturais que podem sobrecarregar as mulheres com filhos. “Essa cobrança pelo cuidado, aliado a carga mental, jornada tripla (que é imposta sobre as mulheres que trabalham e tem que cuidar da casa e dos filhos) e os impactos na carreira profissional. Todos esses são fatores significativos nas decisões sobre a maternidade”, elucida a docente.
Apesar de ser cada vez mais comum mulheres com menos filhos no Brasil e no mundo, o direito reprodutivo universal a todos ainda é algo distante. Dados de 68 países mostram que cerca de 44% das mulheres com parceiros são incapazes de tomar decisões sobre saúde, sexo ou contracepção.
O número é do Relatório da População Mundial 2023, desenvolvido pelo Fundo de População das Nações Unidas. De acordo com o estudo, “24% das mulheres e meninas são incapazes de dizer não ao sexo, 25% são incapazes de tomar decisões sobre seus próprios cuidados de saúde e 11% são incapazes de tomar decisões especificamente sobre contracepção. Juntos, isso significa que apenas 56% das mulheres são capazes de tomar suas próprias decisões sobre sua saúde e direitos sexuais e reprodutivos”.