Brasil

Hidrogênio na direção do futuro: como a inovação pode transformar a mobilidade global

Tecnologias em testes no Brasil podem garantir benefícios econômicos e redução de poluentes; apesar de cenário otimista, país ainda precisa investir em infraestrutura e garantir regulamentação para avançar no debate

Por William Medeiros.

A redução das emissões do setor automotivo é fundamental para enfrentar as mudanças climáticas e melhorar a qualidade do ar, já que o transporte é uma das principais fontes de poluentes e gases de efeito estufa. O tema ganha ainda mais relevância diante de debates globais, como os da COP 30, que teve como destino o Brasil em 2025, reforçando a necessidade de soluções de baixo carbono. Nesse contexto, o hidrogênio surge como uma alternativa promissora. Quando produzido de fontes renováveis e utilizado em veículos com célula de combustível, ele gera eletricidade sem emitir poluentes.

Hoje, já existem iniciativas importantes no Brasil que discutem sobre a possibilidade do hidrogênio se tornar uma fonte de combustível eficaz. Atualmente, um projeto desenvolvido pelo Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), da Universidade de São Paulo (USP), tem realizado testes da primeira planta de hidrogênio renovável a partir do etanol.

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A atividade é feita por meio de um procedimento químico em que o etanol é combinado com água em altas temperaturas, produzindo hidrogênio como resultado. Para se ter ideia de como isso pode ser benéfico para o mundo, a planta-piloto tem capacidade para produzir 100 quilos do elemento por dia. Na prática, isso poderia abastecer três ônibus e dois veículos leves, por exemplo. O projeto se encontra em fase de testes em veículos em coletivos de transporte público da USP e nos veículos Hyundai Nexo e Toyota Mirai – ambos movidos a hidrogênio.

Funcionamento de um carro movido a hidrogênio

Um dos carros que podem ser beneficiados com essa tecnologia no futuro, o Nexo, por exemplo, é um veículo elétrico movido a célula de combustível. De acordo com o time de Novos Negócios de Hidrogênio da Hyundai Motor para as Américas Central e do Sul, da Hyundai, dentro dela ocorre uma reação eletroquímica entre o hidrogênio e o oxigênio do ar, gerando eletricidade, água e calor.

Hyundai Nexo é um dos carros movidos a hidrogênio que está em testes no Brasil. Foto: Cedida / Hyundai.

“Essa eletricidade alimenta o motor elétrico, responsável por movimentar o carro, enquanto a água é liberada como única emissão, tornando o processo totalmente livre de poluentes”, relata o grupo.

Benefícios do hidrogênio a partir do etanol

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O Portal Ponta Negra News questionou o professor Julio Meneghini, diretor científico do RCGl, em relação a produção de hidrogênio a partir do etanol. Para ele, a tecnologia possui vantagens estratégicas para o Brasil porque “aproveita uma vocação que o Brasil já tem: uma cadeia madura de produção, distribuição e uso de etanol, com elevada produtividade agrícola infraestrutura logística já instalada”, comenta.

Professor Julio Meneghini é diretor científico do RCGI. Foto: RCGI / USP – Divulgação.

Na avaliação do professor, o hidrogênio a partir do etanol “reduz custos e emissões de logística, permitindo produzir o hidrogênio no ponto de consumo (postos, garagens de ônibus, terminais portuários, plantas industriais), em vez de transportar hidrogênio comprimido ou liquefeito em caminhões especiais. Transporta-se etanol, que já é uma commodity dominada pelo país, e gera-se o hidrogênio localmente”, diz. Ele ainda aponta que a medida vai afetar “setores de difícil descarbonização, como transporte pesado (caminhões, ônibus urbanos e rodoviários, mineração, trens) e segmentos industriais intensivos em energia e hidrogênio – siderurgia, fertilizantes, química e petroquímica”, complementa.

O especialista ainda comenta que a  tecnologia tem potencial para solucionar a crise climática global se for integrado a sistemas de captura e armazenamento de CO², dada a possibilidade de atingir intensidade de carbono negativa. Ou seja, além de zerar os gases poluentes, a tecnologia poderá retirar o gás carbônico da atmosfera. “O hidrogênio sustentável – incluindo o de etanol – tende a ocupar um papel central em aplicações de alta demanda energética e na indústria pesada, onde baterias e energia elétrica direta não são a solução mais eficiente ou aplicável”, aponta.

Parcerias

Com aporte inicial de R$ 50 milhões, a estação de pesquisa do hidrogênio a partir do etanol foi instalada na Cidade Universitária, em São Paulo, e integra um projeto realizado em parceria com importantes instituições. Entre elas estão Shell Brasil, Raízen, Hytron (atualmente pertencente ao Grupo Neuman & Esser), SENAI CETIQT e a própria USP por meio do RCGI, além de montadoras como Toyota, Hyundai, Marcopolo e da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU).

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O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, pesquisadores da USP e executivos das empresas parceiras no projeto de hidrogênio a partir do etanol. Foto: RCGI-USP.

Cada uma das instituições mencionadas contribui de forma significativa para o projeto. “Isso ajuda a sair mais rápido do laboratório para a escala piloto e, depois, para soluções de aplicação”, comenta o professor Julio.

“Parceiros globais enxergam o projeto como um ‘laboratório a céu aberto’ para o desenvolvimento de rotas de hidrogênio em países com forte presença de biocombustíveis, o que facilita, no futuro, a exportação do modelo brasileiro para outros mercados”, complementa.

Testes com veículos reais

As montadoras, por exemplo, disponibilizam veículos para testes de abastecimento e desempenho em condições reais de operação. O especialista ressalta que essa ação “permite entender consumo, autonomia, manutenção e percepção de usuário em condições  concretas, no contexto brasileiro, algo que não se consegue apenas em bancada”.

Sobre os resultados, o professor comenta que a capacidade plena dos testes ainda não está em operação. Porém, já é possível confirmar que é possível obter hidrogênio com pureza adequada para uso em células a combustível, como as empregadas em ônibus e automóveis.

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Além disso, já se consegue identificar e solucionar gargalos de comissionamento do sistema – por exemplo, ajustes no compressor de hidrogênio. “O que virá [agora] é uma etapa de ‘pente-fino’ e testes de durabilidade em operação contínua”, comenta.

Um dos veículos que está em fase de testes é o Hyundai Nexo. Segundo o time de Novos Negócios de Hidrogênio da Hyundai Motor para as Américas Central e do Sul, ainda não há resultados quantitativos do desempenho do veículo.

Possibilidades de produção e exportação

A expectativa dos interessados no tema é que o Brasil comece a exportar hidrogênio verde a partir de 2030. A declaração foi dada pela diretora executiva da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV), Fernanda Delgado, durante painel Descarbonização e Combustível do Futuro, realizado no dia cinco de novembro, na 8ª edição da Energy Transition Research & Innovation Conference (ETRI) – evento do RCGI-USP.

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Ela afirma que as empresas estão prontas para iniciar a produção em 2029 impulsionadas por subsídios legais de € 3 bilhões previstos entre 2030 e 2034. Para a diretora, o país já possui regulação e políticas de incentivo consolidadas, que estimulam o setor privado. Na avaliação dela, o importante, neste momento, é conectar compradores internacionais da Europa e da Ásia ao mercado nacional.

Painel: Descarbonização e Combustíveis do Futuro. Da esquerda para a direita: Plinio Nastari (DATAGRO), Ricardo Martins (Hyundai), Suani T. Coelho (RCGI-USP), Flavio Haruo Mathuiy (Marinha), Fernanda Delgado (Presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hidrogênio Verde), Andre Faaij (TNO, Holanda) e Karen Mascarenhas (RCGI-USP). Foto: RCGI-USP.

Mesmo assim, ainda há muitos desafios a serem enfrentados, tais como os processos econômicos e regulatórios. “É importante evitar que a rota etanol–hidrogênio sofra uma dupla incidência de impostos — com tributação na etapa em que o etanol entra como primeiro insumo do processo e, depois, novamente sobre o hidrogênio gerado como novo produto energético. Essa cumulatividade eleva o custo final do combustível e reduz a competitividade da tecnologia”, aponta o professor Julio.

Conforme o time de Novos Negócios de Hidrogênio da Hyundai Motor para as Américas Central e do Sul, os principais pontos a serem melhorados em um veículo como o Nexo são:

  • Infraestrutura limitada pois os postos de hidrogênio são quase inexistentes no Brasil.
  • Produção de hidrogênio verde ainda cara e dependente de escala.
  • Preço elevado: Nos USA, o Nexo custa cerca de US$ 60.000 (aprox. R$ 340 mil). No Brasil, sem incentivos o valor seria ainda maior.
  • Legislação e Homologação: O Brasil ainda não possui regulamentação consolidada para veículos a célula de combustível (FCEV).
  • Incentivos fiscais: Diferente de países como Coreia do Sul e EUA, não há políticas robustas para estimular veículos a hidrogênio, como subsídios.

“Em curto prazo a tecnologia deve permanecer em fase de testes e projetos piloto, com expansão limitada para frotas corporativas e transporte público. No médio prazo, espera-se maior infraestrutura e redução de custos, permitindo adoção mais ampla. E em longo prazo visa-se a popularização em larga escala”, complementa o time da Hyundai.

Nexo visto de dentro. Foto: Cedida / Hyundai.

O Portal Ponta Negra News questionou o Ministério dos Transportes a respeito do assunto e obteve o seguinte posicionamento: “Em relação aos modelos abastecidos com hidrogênio, não há solicitação formal de regulamentação dessa tecnologia na esfera federal. A avaliação de viabilidade econômica e industrial compete ao setor produtivo”.

O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços também foi procurado para comentar as possibilidades de produção nacional, mas não respondeu aos questionamentos até o fechamento desta reportagem.

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