Quando uma mulher fica grávida após ser estuprada, quando sua vida está em risco por causa da gestação ou quando o feto é anencéfalo (não possui cérebro, ou seja, não tem condições de vida fora do útero), a lei brasileira garante a interrupção da gravidez, ou seja, nesses casos, o aborto é legalizado. É isso que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados quer mudar com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 164/12. A proposta pode proibir o aborto mesmo nesses casos.
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Enquanto o Congresso discute restringir o acesso ao procedimento, as solicitações judiciais para a realização do aborto legal não param de crescer no país. De janeiro a outubro deste ano, a cada dois dias, uma mulher entra com um processo na Justiça solicitando a autorização da interrupção de gravidez.
Foram 138 ações judiciais reivindicando o aborto legal. O número já é 220% maior do que 2023 – mesmo sem contar os meses de novembro e dezembro.
Além das propostas para alterar a legislação, um outro fator que pode comprometer a realização legal do aborto no país: dos 138 pedidos, 50 casos não foram julgados, segundo levantamento exclusivo do SBT News, com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Judicialização de casos não deveria acontecer
De acordo com a promotora de Justiça (MP-SP) e presidente do Instituto Pró-Vítima, Celeste Leite dos Santos, as mulheres não precisariam ir à Justiça para realizar o procedimento em casos previstos por lei. Mas isso acontece pela falta de oferta de serviço público no Sistema Único de Saúde (SUS) ou descumprimento da lei em alguns locais.
“A rigor, a lei determina que basta a palavra da vítima de estupro, por exemplo, para que a interrupção da gravidez aconteça. Em caso de recusa, ela pode solicitar o boletim de ocorrência em nome da pessoa responsável pela recusa do atendimento. Essa informação pode ser obtida mediante o prontuário médico”, explica Celeste.
Na visão da especialista, a criminalização do aborto em casos de estupro pode potencializar a realização de procedimentos clandestinos, aumentando os riscos de complicações médicas graves e até morte.
“O aborto já é quinta causa de morte das mulheres no Brasil. Isso é inconcebível”, ressalta.
Para a especialista, a PEC em discussão na Câmara também traz o risco de uma espécie de “banalização da pedofilia”.
“O estuprador, de pedófilo, ainda passará a se denominar ‘pai’, e, assim, exercer papel socialmente aprovado em nosso meio – inclusive, balizado pelos direitos e por deveres decorrentes do poder da instituição familiar”, afirma.
Políticas públicas poderiam reduzir número de abortos no país
Para além dos casos previstos em lei, Celeste destaca que, muitas vezes, as mulheres optam por não continuar a gravidez por questões financeiras.
“É preciso dar a opção das mulheres com dificuldades econômicas, seja porque o marido ou namorado não quer assumir o filho, ou a família não apoia e ela não tem a mínima condição, de continuar com a gravidez. Deveria ser aprovado um auxílio financeiro, uma espécie de bolsa-gestante, de um salário-mínimo, que perdurasse pelo menos até seis meses após o parto”, ressalta.
Ela cita que a iniciativa teria potencial de reduzir o número de abortos, que também traz consequências psíquicas para as mulheres.
“Em vez de tratar da consequência, é preciso ir para a causa do problema. É um discurso hipócrita achar que uma criminalização do aborto vai reduzir o número de interrupções de gravidez realizadas”, diz.
A promotora defende também a aprovação do Estatuto da Vítima, um projeto de lei (PL 3890/2020) em tramitação no Congresso que visa a proteger os direitos de pessoas que sofrem danos físicos, emocionais ou econômicos, com o objetivo de garantir que as vítimas tenham acesso a apoio e tratamento individualizado.
SBT News