A comunicadora Leonor Macedo, de 41 anos, se surpreendeu ao ser informada pela ginecologista do Hospital São Camilo, em São Paulo, que não poderia fazer o procedimento de inserção do DIU (dispositivo intrauterino) ali, por causa dos valores religiosos da instituição.
“Fiquei em choque”, disse a paciente em um desabafo no X (antigo Twitter). O relato de Leonor, até o início da tarde desta quarta-feira (24), já foi visualizado por mais de 1,7 milhão de pessoas.
Após sua postagem viralizar, o perfil do hospital respondeu à publicação, confirmando que “por diretriz institucional de uma instituição católica, não há a realização de procedimentos contraceptivos, seja em homens e mulheres”. O hospital também afirmou que orienta o paciente a buscar a rede referenciada do plano de saúde para conseguir realizar a inserção do DIU ou a cirurgia de vasectomia.
A proporção foi tanta, que o hospital procurou Leonor por telefone para explicar o posicionamento da médica. Segundo ela, eles afirmaram que seguem os preceitos da Igreja Católica e do Vaticano e só colocam o DIU em casos de mulheres com endometriose grave, não como método contraceptivo.
Segundo a presidente da comissão de Direito Médico da OAB-SP, Juliana Hasse, os hospitais privados com orientação religiosa argumentam que têm autonomia para seguir suas próprias diretrizes éticas e morais. Mas, para ela, há nessa situação um conflito entre a autonomia da instituição e os direitos individuais dos pacientes.
A recusa em fazer a inserção do DIU pode ser considerada inconstitucional, já que o direito o planejamento familiar faz parte do direito à saúde, considerado fundamental pela Constituição de 1988.
“A negativa de um hospital em colocar um dispositivo intrauterino em uma mulher, baseando-se unicamente em motivo religioso, pode sim entrar em conflito com princípios da Constituição Federal, porque ela, em seu artigo 5º, assegura direitos como a liberdade de crença e a proibição de discriminação ao mesmo tempo, bem como garante a inviolabilidade do direito à saúde”, diz Hasse.
A orientação do Hospital São Camilo viola, ainda, o Código de Ética Médica, que determina a autonomia do médico, mas o compromisso com o melhor tratamento para o paciente. “A recusa em realizar um procedimento como a colocação do DIU tem sempre que ser justificada com base em critérios médicos e científicos, não puramente em crenças pessoais. É importante lembrar disso”, afirma a advogada.
Procurado, o Ministério da Saúde destacou que “o acesso aos métodos contraceptivos pelo sistema de saúde é direito de todas brasileiras”. O Conselho Federal de Medicina (CFM) afirmou que é uma instância de julgamento em grau de recurso e que, por isso, se abstém de fazem comentários sobre casos concretos.
Outros casos
O SBT News encontrou pelo menos três histórias parecidas na internet. Em uma das publicações, também no X, uma mulher conta que a ginecologista que a consultou no Hospital São Camilo disse que não fazia a inserção do DIU por ele ser abortivo – o que é um mito. Dependente do pai no plano de saúde, a paciente afirma que ele foi procurado pela instituição – o que pode ser considerado quebra do sigilo médico.
Outras duas mulheres fizeram reclamações do hospital no site Reclame Aqui, em 2020 e 2021. “[O médico] me olhou e disse ‘não vou solicitar o seu DIU, pois aqui não colocamos por ser uma entidade católica’, só que em nenhum momento lá atrás ele me informou isso”, conta uma delas.
A segunda diz que a médica chegou a fazer a solicitação, mas que ao entregar o documento para uma enfermeira, ela riu. “A enfermeira riu e falou que o procedimento deveria ser aceito pela diretoria da instituição, pois a mesma era católica e não realizava procedimentos contraceptivos”, escreve a paciente.
Posicionamento do hospital
Em nota, o Hospital São Camilo – que tem 33 unidades pelo país e conta com um plano de saúde próprio – informou que procedimentos contraceptivos só são realizados pela instituição em casos “que envolvam riscos à manutenção da vida”. Veja posicionamento na íntegra:
A Rede de Hospitais São Camilo – SP informa que, por ser uma instituição confessional católica, tem como diretriz não realizar procedimentos contraceptivos, em homens ou mulheres.
Tais procedimentos são realizados apenas em casos que envolvam riscos à manutenção da vida.
Os pacientes que procuram pela Rede de Hospitais São Camilo – SP, e que não apresentam riscos à saúde, são orientados a buscar na rede referenciada do seu plano de saúde hospitais que tenham esse procedimento contratualizado.