O mundo vive uma epidemia ou uma subnotificação de casos de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)? Uma análise de diversos estudos em nível mundial feita por pesquisadores brasileiros aponta que apenas 19,1% dos jovens diagnosticados com a condição estão sendo tratados com medicamentos para o transtorno.
Por outro lado, especialistas alertam para uma banalização de diagnósticos, sobretudo entre as crianças, o que acarreta o consumo desenfreado de ritalina (metilfenidato) e outros medicamentos indicados para o tratamento da doença.
“A medicalização já está acontecendo. E por que acontece? Podemos levantar várias hipóteses. Entre elas, a realização de um diagnóstico rápido, como temos visto muito. Um diagnóstico não pode ser feito em 30 minutos, em três ou cinco sessões, por um só profissional. O TDAH não é tão simples assim.”, diz a neuropsicopedagoga Thicciana Maria Damasceno Firminia durante audiência pública na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), do Senado, em novembro de 2023.
O psiquiatra especializado em TDAH Arthur Caye explica que sintomas do transtorno podem ser observados em todas as pessoas, mesmo as que não precisam de tratamento, o que torna o processo de diagnóstico mais complexo.
Ele ressalta que o uso indiscriminado de substâncias também é observado em ambientes de trabalho ou escolares “com o objetivo de melhorar a performance”. É o chamado “doping cognitivo”, quando pessoas saudáveis fazem o uso da medicação sem necessidade clínica. A prática, porém, tem efeitos colaterais: pode causar insônia, irritabilidade, tremores, pressão alta, dentre outros sintomas.
O que é TDAH?
O TDAH é um transtorno neurobiológico que afeta o funcionamento, principalmente, do córtex pré-frontal, área do cérebro responsável pelo controle de impulso. Há um forte componente genético envolvido na alteração da função do cérebro, que pode ser hereditária ou não. Na prática, isso significa que a pessoa apresenta dificuldades de concentração, além de sintomas relacionados à hiperatividade, como dificuldade de ficar parado. De acordo com o Hospital Albert Einstein, o TDAH começa na infância e pode persistir na vida adulta. No entanto, em alguns casos, o quadro sintomático pode se tornar mais prevalente apenas na fase adulta, de acordo com Caye.
Sob a ótica da psicanálise, a psicóloga Elsa Oliveira Dias afirma que, além dos fatores neurobiológicos e genéticos, o TDAH se manifesta também pelos aspectos inconscientes. De acordo com o Instituto Brasileiro de Psicanálise, o inconsciente abrange lembranças, memórias e experiências que não estão alcance da consciência, ou seja, tudo o que não conseguimos perceber em nós mesmos imediatamente. Duas formas de expressão são os sonhos e os atos-falhos (quando a pessoa deixa escapar alguma fala sem perceber).
Sintomas
De acordo com o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), os 18 sintomas de desatenção e hiperatividade são:
Desatenção
Não prestar atenção a detalhes ou cometer erros por descuido na escola ou no trabalho;
Ter dificuldade de manter a atenção em tarefas nas atividades escolares, jogos ou reuniões;
Não parecer prestar atenção quando abordado diretamente;
Não acompanhar instruções e não completar tarefas;
Ter dificuldade para organizar tarefas e atividades;
Evitar, não gostar ou ser relutante no envolvimento em tarefas que requerem manutenção do esforço mental durante longo período de tempo;
Perder objetos necessários para tarefas ou atividades escolares e do trabalho com frequência;
Ficar distraído com facilidade;
Ser esquecido nas atividades diárias.
Hiperatividade
Movimentar-se ou torcer mãos e pés com frequência;
Frequentemente levantar-se da cadeira em situações em que deveria ficar sentado;
Correr e fazer escaladas com frequência excessiva quando esse tipo de atividade é inapropriado;
Ter dificuldades de brincar ou trabalhar tranquilamente;
Frequentemente movimentar-se e agir como se estivesse “ligada na tomada”;
Possuir o hábito de falar demais;
Frequentemente responder às perguntas de modo abrupto, antes mesmo que elas sejam completadas;
Frequentemente ter dificuldade de aguardar sua vez para falar;
Frequentemente interromper os outros ou acaba se intrometendo em assuntos alheios.
Arthur pontua que, apesar de não estar na lista de sintomas do Manual de Diagnóstico, a procrastinação (ato de adiar ou atrasar algo que deve ser feito) tem sido uma queixa frequente em seu consultório e pode ser um sinal de atenção.
Como diagnosticar?
Apesar da prevalência dos sintomas na população em geral, o que importa na hora do diagnóstico não é só sua combinação, prevalência, como também os prejuízos que causam na vida das pessoas, ressalta o especialista.
“Se a pessoa perdeu um guarda-chuva. Ok, isso pode acontecer com todo mundo. Mas se a pessoa perde o crachá todos os dias, o cartão de crédito seis vezes ao ano, ou se todos os dias passa uma hora procurando as coisas que não encontra e é ‘conhecido’ por perder coisas, pode ser um sinal de atenção”, explica Caye
Da lista do DSM-5, no caso das crianças e adolescentes, é necessário uma combinação de pelo menos cinco sintomas. Já para os adultos, é preciso que haja seis.
Caye explica que o processo de diagnóstico ideal é feito por conversas especializadas e presenciais com o paciente, para entender como os sintomas estão afetando sua vida. Em alguns casos, exames neuropsicológicos podem ser bastante úteis.
Outro fator que o especialista destaca é que a causa do quadro sintomático desempenha um papel fundamental no momento do diagnóstico, já que alguns sintomas de TDAH podem ser confundidos com os de depressão e ansiedade, por exemplo. Dois ou mais transtornos também podem coexistir.
“Se a causa da desatenção é uma tristeza, por exemplo, o quadro pode se caracterizar por uma depressão em vezde TDAH”, complementa.
Em caso de suspeita, o primeiro passo para procurar ajuda pelo SUS (Sistema Único de Saúde) é a atenção primária de saúde em UBSs (Unidade Básicas de Saúde), Equipe de Saúde da Família (ESF) e o Núcleo de Apoio à Saúde da Família.
Como tratar?
Caye explica que as diretrizes internacionais apontam para um tratamento “primordialmente farmacológico”. Isso significa que, em todos os casos com prejuízo moderado para a vida do paciente, é recomendada a introdução de medicamentos.
Segundo o especialista, a primeira linha de tratamento, ou seja, a que tem mais evidências científicas, inclui os psicoestimulantes. No Brasil, há duas substâncias disponíveis: o metilfenidato (Ritalina) e a lisdexanfetamina (Venvance). Apesar de os dois pertencerem “a mesma classe de medicamentos, agem em receptores diferentes do cérebro. Seu uso necessita de prescrição médica.
Segundo Caye, a psicoterapia com mais estudos relacionados é a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC). Nessa modalidade, o paciente passa por treinos que visam a facilitar sua convivência com os sintomas.
No entanto, as pesquisas sobre o uso da psicanálise vêm aumentando. O tratamento nessa linha teria como objetivo “aliviar as angústias dos pacientes e possibilitar que a criatividade pessoal possa alavancar novas formas de existência”, de acordo com o artigo “Contribuições psicanalíticas para o Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade: uma revisão da literatura”.
SBT News