Em um marco histórico para o Sistema Único de Saúde (SUS), o Ministério da Saúde realizou as primeiras infusões da terapia gênica Elevidys na rede pública. Os dois primeiros pacientes com distrofia muscular de Duchenne foram atendidos nesta semana pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), referência nacional no tratamento de doenças raras. O procedimento cumpre os prazos estabelecidos pela decisão judicial do Supremo Tribunal Federal (STF).
Leia também:
Ministério da Saúde incorpora vacina para proteger gestantes e bebês de vírus respiratório
De acordo com o coordenador-geral de Doenças Raras do Ministério da Saúde, Natan Monsores, o feito demonstra a capacidade do SUS de incorporar tecnologias de alta complexidade. Atualmente, a rede pública conta com 36 serviços especializados no atendimento a doenças raras, sendo 13 habilitados nos últimos dois anos, incluindo o primeiro na região Norte. Entre 2022 e 2024, o número de consultas e exames para esses pacientes cresceu 40%, passando de 29.931 para 41.670 atendimentos.
Logística e preparo técnico garantiram rapidez no tratamento
Para viabilizar a infusão do medicamento em tempo hábil, o Ministério da Saúde articulou um complexo planejamento logístico e técnico junto ao STF. O Departamento de Gestão das Demandas em Judicialização na Saúde coordenou a aquisição internacional e a entrega do Elevidys, concluindo todo o processo em um prazo recorde de 57 dias.
Além da aplicação da terapia, a pasta garantirá o acompanhamento contínuo dos pacientes para monitorar a efetividade do tratamento. “Fizemos contato com as famílias, acionamos o gestor municipal, capacitamos as equipes e acompanhamos cada etapa do transporte e infusão”, destacou Monsores.
Hospital de Clínicas de Porto Alegre lidera inovação no SUS
Com mais de duas décadas de pesquisa em terapia gênica, o HCPA foi uma das primeiras unidades do SUS a realizar infusões desse tipo. “Nosso hospital tem plena capacidade para realizar tratamentos complexos com excelência, garantindo resultados comparáveis aos padrões internacionais”, afirmou o diretor médico do hospital, Luiz Eduardo Rohde.
O professor Jonas Saute, dos serviços de Genética Médica e Neurologia do HCPA, reforçou a importância do monitoramento contínuo da eficácia da terapia. “Esses dados são essenciais para avaliar os benefícios do tratamento e embasar futuras políticas públicas”, pontuou.
Monitoramento contínuo e desafios da incorporação ao SUS
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concedeu registro excepcional ao Elevidys, condicionado à apresentação de novas evidências sobre seus benefícios. O medicamento, cujo custo por dose foi definido em R$ 11 milhões pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), está em fase de avaliação pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). Até o momento, a farmacêutica responsável não propôs um acordo de compartilhamento de risco, o que pode impactar sua disponibilização no sistema público.
A neurologista infantil Michelle Becker, do Ambulatório de Doenças Neuromusculares do HCPA, ressalta que a terapia não representa uma cura, mas pode estabilizar ou retardar a progressão da doença. “O medicamento pode oferecer uma melhora na qualidade de vida dos pacientes, mas ainda não há estudos definitivos sobre a duração do efeito”, explicou.
A doença e a complexidade da logística
A distrofia muscular de Duchenne é uma condição genética rara que afeta majoritariamente meninos e se caracteriza pela ausência da proteína distrofina, essencial para a função muscular. Com o avanço da doença, os pacientes perdem gradativamente a capacidade de locomoção.
A logística para a chegada do Elevidys ao Brasil envolveu um rigoroso controle de temperatura. Fabricado na Alemanha, o medicamento foi transportado a -80°C, chegando ao Aeroporto de Guarulhos no dia 8 de fevereiro. Após armazenamento e pesagem, seguiu para Porto Alegre, onde foi entregue ao HCPA no dia 12 de fevereiro. As infusões ocorreram nos dias 12 e 13 de fevereiro, conforme planejamento.
A equipe multiprofissional do hospital, incluindo médicos, enfermeiros, farmacêuticos e fisioterapeutas, foi capacitada para a manipulação e administração do medicamento. “Foi um processo de extrema responsabilidade, mas ver a alegria das famílias no final torna tudo recompensador”, relatou Tatiani Quevedo, enfermeira responsável pelas infusões.
