Diretor Médico de Transplante Renal no Massachusetts General Hospital (MGH), em Boston, nos Estados Unidos, o médico brasileiro Leonardo Riella comandou o primeiro transplante de rim de porco geneticamente modificado para um paciente vivo.
O procedimento durou quatro horas e foi realizado no último sábado (16). Até então, os únicos transplantes do tipo haviam sido feitos em humanos com morte cerebral, para avaliar a sua viabilidade em pessoas vivas.
Identificado como Richard Slayman, de 62 anos, o paciente desenvolveu insuficiência renal devido a diabetes tipo 2 e hipertensão. Anteriormente, ele já havia recebido um transplante de rim de um doador humano falecido em dezembro de 2018, após fazer diálise por sete anos. Contudo, o rim transplantado mostrou sinais de falha aproximadamente cinco anos depois e o paciente retomou a diálise em maio de 2023.
Segundo o hospital, Slayman está se recuperando bem e deve receber alta em breve.
Em comunicado, Riella comemorou o transplante, que classificou como “um avanço monumental” no xenotransplante.
“Setenta anos após o primeiro transplante renal e seis décadas após o advento dos medicamentos imunossupressores, estamos à beira de um avanço monumental no transplante. Só no MGH, há mais de 1.400 pacientes em lista de espera para transplante renal. Infelizmente, alguns destes pacientes morrerão ou ficarão doentes demais para serem transplantados devido ao longo tempo de espera na diálise”, afirmou.
“Estou firmemente convencido de que o xenotransplante representa uma solução promissora para a crise de escassez de órgãos”, disse Riella.
De acordo com a Rede Unida para Compartilhamento de Órgãos (UNOS), mais de 100 mil pessoas nos EUA aguardam um órgão para transplante e 17 pessoas morrem todos os dias à espera de um órgão. Um rim é o órgão mais comum necessário para transplante, e estima-se que as taxas de doença renal em estágio terminal aumentem de 29 a 68% nos EUA até 2030, de acordo com o Journal of the American Society of Nephrology.
Xenotransplante
O xenotransplante é o transplante de órgãos ou células de uma espécie diferente da humana para humanos. Neste caso, rins de porcos geneticamente modificados estão sendo avaliados para tentar amenizar a significativa escassez de órgãos humanos disponíveis para transplante renal. Se os rins de porco puderem ter um desempenho melhor do que a diálise, o xenotransplante de rim de porco poderá tornar-se uma nova esperança para aqueles que aguardam por transplantes.
Como funciona o xenotransplante?
Porcos geneticamente modificados foram desenvolvidos para aumentar sua compatibilidade com os humanos. Os porcos destinados a dadores de órgãos para humanos são criados isoladamente, sob condições especiais, para evitar que sejam expostos a infecções que possam prejudicar o receptor humano dos órgãos desse porco. Esses porcos especiais têm órgãos de tamanho e função semelhantes aos órgãos humanos. As modificações genéticas destes porcos também os tornaram mais compatíveis com os humanos.
Como será definido o sucesso deste transplante?
O sucesso será definido pela ausência de necessidade de diálise para o paciente, que terá sua função renal monitorada por meio de exames de sangue e urina, além de exames físicos regulares.
Qual é o risco de rejeição?
A rejeição é sempre uma possibilidade em qualquer transplante de órgão, pois o sistema imunológico é capaz de reconhecer o órgão como uma ameaça. Como esta é a primeira vez que um xeno-rim é transplantado em humanos, não se sabe ainda qual é o risco de rejeição, mas espera-se que com o uso de uma combinação de medicamentos para enfraquecer o sistema imunológico, o risco seja significativamente reduzido.
Existem incompatibilidades entre o corpo humano e o rim do porco?
Sim. O porco normal da ‘fazenda’ carrega algumas incompatibilidades que o impedem de funcionar normalmente no corpo humano. No entanto, os recentes avanços da engenharia genética ajudaram os cientistas a tornar os órgãos dos porcos mais “compatíveis” com os seres humanos.
Em termos de função renal, o rim de porco geneticamente modificado é capaz de realizar todas as funções essenciais de um rim humano normal, como manter o equilíbrio hídrico e mineral e excretar resíduos. Além disso, outras modificações genéticas nos porcos especiais foram feitas para minimizar o risco de coagulação sanguínea inadequada no rim do porco e para diminuir a inflamação no rim do porco.
É possível que os pacientes que recebem um xeno-rim sejam obrigados a tomar um hormônio chamado eritropoietina para apoiar a produção de glóbulos vermelhos e prevenir a anemia.
Qual é o risco de infecção para o paciente após o xenotransplante?
As infecções são comuns após o transplante devido à necessidade de medicamentos anti-rejeição que enfraquecem todo o sistema imunológico. Este risco aumenta em todos os pacientes transplantados, independentemente da origem do órgão doador (humano ou suíno).
O procedimento já pode ser feito em qualquer paciente?
Não. O procedimento foi realizado sob um único Protocolo de Acesso Expandido (EAP) – conhecido como uso compassivo – da Food and Drug Administration (FDA), agência federal dos EUA equivalente a Anvisa, concedido a um único paciente ou grupo de pacientes com doenças ou condições graves e potencialmente fatais para obter acesso a tratamentos experimentais ou ensaios quando não houver tratamento comparável, ou quando não existir outras opções ou terapias.
Não há uma pesquisa parecida sendo desenvolvida no Brasil.